Não sei começar este artigo. A última vez que escrevi sobre uma prova foi em 16 de Fevereiro de 2020. Tanta coisa se passou. E nada se passou. Essa ausência de razões para escrever aqui, foi aquilo que me fez procurar e entrar num desafio tão fora da caixa como o MultiSport Weekend Coimbra. Só não fazia ideia o quão fora da caixa iria ser.
Esta história de Coimbra começou há muitos meses. Vi o meu amigo Rui Martins a começar a preparar o seu primeiro triatlo longo, e ao mesmo tempo o meu colega de equipa Jorge Robalo a começar a partilhar a ideia que iria tentar um desafio de bater o recorde do mundo de triatlo longo por estafetas. Foi algo que começou a crescer dentro de mim, e do falar com ambos para perceber se eu tinha lugar nessa prova até ter a minha equipa, foram uma questão de semanas.
O meu treino esse não foi difícil de adaptar. A minha época começou com uma preparação para uma eventual loucura de mais de 100kms a correr. Acabou por nunca acontecer devido às múltiplas restrições que acabaram por acontecer desde Novembro. Com isso também as provas que estavam marcadas (regionais de estrada, corta-mato...) foram canceladas e acabei a ficar frustrado sem saber bem para o que estava a treinar. Juntamente com o meu treinador, decidimos reduzir a carga de treinos, com o objetivo sempre de estar preparado para uma eventual prova mais curta, mas pouco tempo depois surge então a tão adiada hipótese de fazer uma maratona.
A preparação estava a correr como esperado, e estava a sentir-me muito bem. Para isto contribuiu algo que nunca fiz que foi um planeamento nutricional, algo que falarei separadamente. Mas posso dizer que em menos de 2 meses foram quase 7kg embora sem esforço nenhum. Aliás o esforço foi comer bem mais do que aquilo que estava habituado. Mas como nenhuma preparação é perfeita, acabei a fazer um estiramento no bicep femural sem perceber bem como. Tive juízo, fui dedicado como nunca a uma recuperação e em duas semanas estava a correr sem dores. Mas isto não era possível sem uma equipa fantástica ao meu lado:
- Paulo Monteiro - Conhecimento, aplicação de terapias e total disponibilidade para me ajudar
- André Filipe - Adaptação do treino, nutrição e todos os trabalhos de casa que deveria fazer para recuperar melhor
- Johanna Louçano - Drenagem Linfática e muita paciência para me aturar!
Acabou por não ser uma preparação completa (faltaram alguns treinos longos), mas o facto de estar nutricionalmente na melhor forma física de sempre (aos anos que não estava na casa dos 60kg) e estar fresco, como se pode ver por este treino, levantavam boas perspectivas para prova. No entanto, havia algo que começava a vir ao de cima que poderia eventualmente estragar tudo: uns zunszuns de um percurso mau e o eventual calor à hora que começaria a correr. Na verdade, foi bem pior do que algum dia pensei.
No dia antes da prova, parti com o Rui e com o Paulo para Coimbra. Como eles iam fazer o Triatlo e Duatlo, tinham que deixar a bicicleta no local transição no dia anterior. Sem problema, assim a experiência até era melhor. Hotel alugado, pasta party no dia anterior e poder conviver com amigos depois de um ano e meio em que estas convivências foram limitadas. Serviu também para conhecer o Rui Tejo e Nelson Almeida, o nadador e ciclista da minha equipa. Fomos a Pousadinha Oceano Cycling Team I. Nessa noite soube também que por causa de desistências, éramos apenas três equipas a fazer o Triatlo Longo em estafetas. Admito que isso não me deixou propriamente mais motivado.
Depois de uma noite em que mal dormi, não por causa do stress, mas por causa das piores almofadas que até hoje tive num hotel, o dia amanheceu com sol. E realço isto pois sábado foi um dia chuvoso acabando com 2/3 horas de trovoada intensa. Previam chuva e trovoada à hora expectável da minha corrida, mas acabou por não acontecer. Mas também não sei o que teria sido pior.
Fiz o check-out e levei o carro para perto da zona da prova. Ainda tinha muito tempo para matar. Tive a assistir à passagem das bicicletas, ao mesmo tempo que encontrava amizades do mundo da corrida como o Paulo Garcia e o Diogo Azevedo. O tempo voou e embora não tivesse nenhuma informação de a quantas andava o meu ciclista (o sistema de live tracking não funcionou...), e sabendo que o meu nadador tinha feito 1h02', mesmo fazendo as contas para 5h no ciclismo, estava a chegar a altura de equipar e ir aquecer.
As contas acabaram por não sair muito ao lado. Fui para a zona de transição, vi o Paulo e o Diogo acabarem a prova deles (half em estafetas), e acabei por ver o Robalo a sair disparado bem primeiro do que eu. 10 minutos. 20 minutos. Ia bebendo água, o calor estava a ficar infernal. Quando os 30 minutos de espera estavam quase a bater, chega o Nelson. Teve um furo e isso afetou a performance dele. Chip (espécie de testemunho) posto à volta do pé, dorsal posto na singlet em vez de usar porta dorsais (a organização tinha-nos confirmado que não era estritamente obrigatório usarmos o porta dorsais na corrida) e vamos para a minha segunda maratona!
Fiz o check-out e levei o carro para perto da zona da prova. Ainda tinha muito tempo para matar. Tive a assistir à passagem das bicicletas, ao mesmo tempo que encontrava amizades do mundo da corrida como o Paulo Garcia e o Diogo Azevedo. O tempo voou e embora não tivesse nenhuma informação de a quantas andava o meu ciclista (o sistema de live tracking não funcionou...), e sabendo que o meu nadador tinha feito 1h02', mesmo fazendo as contas para 5h no ciclismo, estava a chegar a altura de equipar e ir aquecer.
As contas acabaram por não sair muito ao lado. Fui para a zona de transição, vi o Paulo e o Diogo acabarem a prova deles (half em estafetas), e acabei por ver o Robalo a sair disparado bem primeiro do que eu. 10 minutos. 20 minutos. Ia bebendo água, o calor estava a ficar infernal. Quando os 30 minutos de espera estavam quase a bater, chega o Nelson. Teve um furo e isso afetou a performance dele. Chip (espécie de testemunho) posto à volta do pé, dorsal posto na singlet em vez de usar porta dorsais (a organização tinha-nos confirmado que não era estritamente obrigatório usarmos o porta dorsais na corrida) e vamos para a minha segunda maratona!
O calor por esta altura ainda não me afetava. Segui num ritmo controlado, apesar de sentir aquela energia da partida. E que saudades destas sensações! Sai da estrada, e entrei numa longa ciclovia. Curvas e curvinhas, uma ponte, e entramos no Choupal. Ou seja, longos quilómetros em terra batida. A única vantagem era a sombra abundante. E talvez a beleza do local para quem estivesse disposto a olhar para ela. Para uma prova de atletismo? Tudo aquilo era péssimo. Mas sentia-me com força e mentalmente estava preparado para aquilo. Com o cãozinho ou pessoas a passear aqui e ali, cheguei a meio do parque (com um abastecimento nessa zona) e seguiu-se uma zona com um piso ainda pior. E se naquela altura essa zona estava à sombra, na altura da terceira volta até essa vantagem desapareceu e era quase impossível não correr ao sol.
Com umas subidas e descidas de partir as pernas, lá sai do parque e seguiu-se finalmente um pouco de asfalto. Por esta altura passei pelo meu amigo Paulo Monteiro que ia a andar e percebi que algo não estava bem com ele, tentei dar-lhe ânimo mas já não havia nada a fazer. A prova tinha acabado para ele. Nesta altura ainda nada me afetava. Depois veio a calçada.
Ora bem. Coimbra tem muito asfalto. Acho que qualquer cidade moderna o tem. Qual a necessidade de meter uma prova de atletismo a passar por ruas com calçada, com uns 2 metros de largura? Ah claro, mas o melhor é ainda fazer um retorno neste piso, para começar a subir uma longa rua neste piso maravilhoso. E se por esta altura já havia algumas pessoas a passear no circuito de prova, na segunda e terceira volta nem vos consigo transmitir o que se vivia ali. Era um mar de gente à nossa frente. Pessoas completamente alheadas ao que estava ali a acontecer, e aos atletas a passarem por elas. Para isto também contribuiu algo que ainda não mencionei, embora isto já não seja obviamente nenhuma crítica. Os atletas que estavam a fazer as provas de triatlo completas apenas seguiam em duas velocidades: ou em corrida lenta ou a andar. Não vou mentir, isto mexeu mentalmente comigo em toda a prova. Foram 40km sempre a ultrapassar atletas, nunca ninguém sequer perto do ritmo a que eu seguia. Para quem estava há um ano e meio sem competir, foi algo que destruiu a minha mentalidade competitiva com o decorrer da prova.
No fim da tal rua, valeu pela enorme ovação à minha passagem de quem estava nas esplanadas. É incrível o apoio que um atleta do Vitória recebe! E se algo que não posso queixar, é da falta de apoio que recebi. Mesmo por parte dos atletas por quem ia passando, não foi nem um nem dois que me deram força para continuar. Passei com 36'37'' aos 10km, e continuava a sentir-me confiante. Aliás, até posso dizer que em certos momentos ia travar. Mas essa sensação estavam prestes a desaparecer.
Mais curvas e retornos num parque, uma ponte com um bom grau de elevação (outro local que à terceira volta já quase não dava para correr sem andar aos zigzags a desviar-me das pessoas que andavam a passear), e entramos no parque do Choupalinho. Várias curvas apertadíssimas de 90 graus, feitas com o pé no travão para não escorregar na terra batida. Passagem pela zona da partida e vamos para a segunda volta.
A prova era plana não era... |
Continuei e acreditei que era possível contrariar aquelas sensações. Apesar da dor de cabeça por causa do calor, os meus músculos estavam bem e continuava sentir-me solto. Entrando outra vez pelo Choupal, fiz algo que até hoje nunca tinha feito. Parei uns segundos para ir à "casa de banho". Sem nunca parar o relógio, voltei a correr e durante umas centenas de metros voltei a um bom ritmo. Até que o inevitável aconteceu. Aos 23km, o ritmo foi para a casa dos 4:00/km e tive que aceitar que qualquer ambição que tivesse, estava perdida. Era altura de ligar o modo resistência.
Situação gira quase no fim da segunda volta. Ao chegar a uma curva de 90 graus, com um edifício no meio que cortava qualquer visibilidade, estava um casal de idosos a passear descontraidamente. Avisei-os para saírem dali se não ainda se podiam magoar (levar com alguém a correr não é agradável). Chateado com a situação, quando eles saíram da frente e finalmente consegui ver o caminho, vi uma abertura das fitas e segui em frente. Senti logo que algo estava mal, corri uma centena de metros até que não tive dúvidas que estava errado. Voltei para trás e percebi que era um fita partida que me enganou. Portanto, pessoas no percurso da prova, curva sem visibilidade, falta de pessoas da organização (isto foi algo recorrente, tanto mas tanto sítio suscetível a enganos sem ninguém a apoiar... a certa altura parecia uma prova de orientação ou trail), e uma fita partida, fizeram o inevitável que foi enganar-me. Típico. A curiosidade é que se não fosse isto, nem 40km tinha corrido.
A partir daqui nem sei o que vos conte mais. Foi ver os ritmos a subir até à casa dos 4:30/km. E a luta que foi por me manter lá. A luta que foi para não andar. Era tão fácil, quase todos os atletas à minha volta o estavam a fazer. Parecia tão fácil. Parecia tão fácil até desistir ali e aceitar que era impossível correr com aquele calor e naquele percurso. Mas não foi para isso que eu treinei. Não foi para isso que me dediquei de corpo e alma a ultrapassar uma lesão quase um mês antes da prova. Não foi para isso que segui quase à risca todo um novo processo nutricional. E por isso e por todas as pessoas que me ajudaram e apoiaram, continuei.
Fast forward até ao final da prova. Estava já na parte final, olho para o relógio e vejo que ainda faltam mais de 2kms. Passo na zona de viragem ou para mais uma volta ou para a meta, e vou para a meta. Alguém da organização me dá força e diz que já só faltam 100m. Foi um misto de emoções. Uma sensação de alívio extremo por aquele sofrimento estar a acabar. Uma revolta imensa porque uma merda de uma maratona não são 40km! Tinha acabado de fazer uma das provas mais sofridas da minha vida, e nem a porra da distância oficial a prova tinha? Vocês não imaginam a minha cabeça. E acreditem, não fui o único com estes sentimentos.
A partir daqui nem sei o que vos conte mais. Foi ver os ritmos a subir até à casa dos 4:30/km. E a luta que foi por me manter lá. A luta que foi para não andar. Era tão fácil, quase todos os atletas à minha volta o estavam a fazer. Parecia tão fácil. Parecia tão fácil até desistir ali e aceitar que era impossível correr com aquele calor e naquele percurso. Mas não foi para isso que eu treinei. Não foi para isso que me dediquei de corpo e alma a ultrapassar uma lesão quase um mês antes da prova. Não foi para isso que segui quase à risca todo um novo processo nutricional. E por isso e por todas as pessoas que me ajudaram e apoiaram, continuei.
Fast forward até ao final da prova. Estava já na parte final, olho para o relógio e vejo que ainda faltam mais de 2kms. Passo na zona de viragem ou para mais uma volta ou para a meta, e vou para a meta. Alguém da organização me dá força e diz que já só faltam 100m. Foi um misto de emoções. Uma sensação de alívio extremo por aquele sofrimento estar a acabar. Uma revolta imensa porque uma merda de uma maratona não são 40km! Tinha acabado de fazer uma das provas mais sofridas da minha vida, e nem a porra da distância oficial a prova tinha? Vocês não imaginam a minha cabeça. E acreditem, não fui o único com estes sentimentos.
Nem sei que conclusões tirar desta prova. Foram 40.08km, feitos em 2h43'35'' a 4:05/km de média. Pelo que tive a ver nos resultados, fui até o atleta com melhor registo na marca da maratona em todas as provas. Mas foi longe, muito longe daquilo que queria. Demasiado longe daquilo que eu sei que sou capaz. Valeu pela excelente equipa que tive, e pelo segundo lugar coletivo. Mesmo que fossem só três equipas a competir.
Sobre a prova, não vou dizer que nunca mais lá volto. Longe disso até. Gostei do ambiente, da experiência, e da dedicação da organização. Mesmo que se tenha notado muita descoordenação em muitos momentos, para uma primeira edição, em certos aspectos, estiveram muito bons. Mas não posso ser aquela pessoa que fica calada. Os seguintes pontos têm mesmo de ser corrigidos para alguém do mundo do atletismo voltar a esta prova:
- Distância da prova. 2.5kms em falta é simplesmente inadmissível. Nem entendo como é que uma prova homologada pela Federação Portuguesa de Triatlo pode ter tamanho erro.
- Ruas cheias de pessoas e animais. A certa altura não sabias se estava a correr ou se estava a passear num shopping a desviar-me de pessoas.
- Muitos retornos e curvas em cotovelo que em nada ajudam a performance da corrida
- Poucos postos de abastecimento para uma maratona. Pouquíssimos para uma maratona com 30 graus.
- Pouca gente a vigiar locais que facilmente levavam ao engano.
- Mês da prova (uma prova com uma maratona nunca pode ser praticamente no Verão).
- Terra batida. Muito bonito para as vistas. Inconcebível para uma prova deste calibre. E para um percurso anunciado como plano, era na verdade um parte pernas de primeira.
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